terça-feira, 5 de abril de 2011

ESCARLATE E RUBRO

Arthur Ferreira Jr.'. conjura do Ermo da Condenação o Nono Episódio da SAGA DOS PRODÍGIOS





CHARYA QUASE ENTRAVA EM DESESPERO ao ver que, apesar de ter sido abalada pelos primeiros golpes, a criatura que saíra dos olhos da Prodígio de azul havia se recuperado muito rapidamente e um de seus tentáculos havia conseguido agarrar Dova de jeito; ela agora se debatia a vários metros de altura.

        Pelo menos, parecia que o fogo azul que cobria o monstro, vindo da espada curta da novata de azul, tornava a criatura mais fácil de atingir e, toda vez que Charya conseguia atingir a substância viscosa que o compunha de jeito, um frenesi se apoderava dela e seus golpes ficavam mais potentes, ela esquecia o cansaço e os ferimentos. O que era aquele misterioso fogo-fátuo, depois que tudo acabasse, Charya sentia obrigação de descobrir.

        O problema é que o monstro parecia não cair com muita facilidade, ao contrário dos camaleões-do-meio-dia que comandava e que estavam sendo dizimados por Euro, Azif e pelos contrabandistas.

        “DROGA!” Charya ouviu o grito do meio-neander chegando mais perto, correndo e berrando, “Temos que libertar Dova!”

        “Eu acho que não dá, irmão...” soou a voz de Azif perto do ouvido esquerdo de Charya. Como ele havia chegado ali tão rápido, não estava do outro lado do campo de batalha há poucos segundos? “Se eu entendi direito o que você me disse, Euro, eu vou tentar algo ainda mais arriscado!”

        Do que estão falando? A força telepática de Charya, potente como a força dos golpes de katana que ela aplicava no monstro, soou na mente dos dois Prodígios. “Você vai ver agora, prima” sussurrou Azif no ouvido da Prodígio Vermelha, e agarrou a cintura da moça.

        Charya só não se surpreendeu mais do que o fato de que, um instante depois, estava suspensa no ar perto de Dova, havia se desmaterializado e recomposto em pleno ar... e ouviu os brados de Euro logo abaixo, “Use seu toque mágico nela, Dova!” e Azif gritando, “Uma bênção como a que você nos deu!” Charya ainda sentia um formigamento na cintura onde Azif a tinha agarrado, quando os dedos de Dova conseguiram tocar em sua cabeça, justo antes da inércia espacial do teleporte de Azif se quebrar e a Prodígio Vermelha começar a cair.

        Enquanto Charya caía, uma voz gritava em sua cabeça, “EU! EU! EU! EU! EU!...” e ela percebeu que o tempo se desacelerava, sua mente ardia e a voz que ouvia era a sua própria...

É estranho... onde caí? No chão é que não foi.

        Deuses, me sinto tão atordoada como naquele dia... quatro anos atrás. Só vejo algumas formas na minha frente... cinco formas... e um clarão!





       É como se tivesse voltado àquele dia, preciso controlar minha mente... que está acontecendo... o Ermo está quente como nunca, o sol a pino... só pontos avermelhados diante de mim... rastejando como uma coisa pelo Ermo... e sou só uma coisa: nem nome tenho, nem sei quem sou.

        Fome.

        Sede.

        Calor.

        Quem me abandonou aqui? Logo esta pergunta deixa de fazer sentido, vejo um homem se aproximando de mim... e com ele outras pessoas. Dois garotos, e algumas outras pessoas que se mantém à distância.

        Só consigo enxergar seu bigode grisalho e as vestes de nômade chegando perto, me apavoro, mas ele me segura com gentileza e pede ajuda aos dois meninos. Um deles tem uma cara estranha e deve ter menos de dez anos; o outro deve ser mais ou menos da minha idade... mas que idade tenho?

        Disso tenho certeza: tenho treze anos. Ou tinha naquele momento, por quê o estou revivendo?

        “Papai,” ouço a voz do ruivinho, “o que é essa voz dentro da minha cabeça? Ela tá perguntando por que tá revivendo este momento...”

        “Ah!” a voz do velho se faz ouvir em meus ouvidos cansados, enquanto ele me carrega, “Telepatia! Isto é tão raro, tão útil, que ela merece ser salva mesmo que eu não tivesse um pingo de compaixão nas veias!”

        O rapaz da minha idade me dá água de um cantil. A expressão dele é tanto de fascínio quanto de medo.

        Mas eles me acolheram. E naquele momento me senti especial, eu que não era ninguém. Sentia-me conectada às mentes deles... e talvez eles não houvessem percebido nada, apesar do rapaz de cabelos negros não tirar os olhos de mim.

        E aquela sensação nunca se repetiu.

        Fui treinada como sentinela pelo Grão-Mestre, e ele determinou que eu só podia transmitir mensagens telepáticas – nem imagens, nem conceitos, nem sondar mentes, só falar, falar e falar.

        “Azif,” dizia o Grão-Mestre, “pelo próprio dom de sua mente, Charya é um Prodígio. E se é um Prodígio como você, os dois receberão o paradoxo no mesmo dia. Não é isso que você queria? Que ela recebesse um uniforme?”

        No dia em que Azif fez quinze anos e eu dezesseis, recebemos dois uniformes idênticos. Tinham a cor da terra do Ermo, como um coágulo. Só que enquanto Azif ficou muito tonto e ajoelhava-se no chão pedindo perdão, seu paradoxo enegreceu e espinhos metálicos dele brotaram, eu o empurrei na cerimônia de oferta e saí correndo, vestida de vermelho, escarlate e rubro, e me perdi nos cânions porque ninguém conseguiu me achar até o dia seguinte.

        E estou perdida de novo. No escuro, as cinco formas se tornam mais visíveis: são cinco garotas iguais a mim, em cada detalhe, exceto que não portam armadoxo algum e, cada uma delas tem uma cor diferente de traje: azul, amarelo, branco, negro... e vermelho como eu.

        Elas me atacam, e é uma luta desigual num corredor indefinido. As portas estão trancadas e não consigo escapar delas. Mato a cópia de negro, mas ela volta a viver... e acontece o mesmo com a de branco... e eu não consigo atacar a que é igual a mim.

        Essa maldita!






        Onde eu estava antes? Deve ser isso, deve ser isso, antes que eu morra, é melhor que eu morra!

        Paradoxo...

        Agarro a cópia vermelha pela garganta e a sufoco até que ela morra; as outras observam caladas, como se esperassem... o duplo se esvai, desaparecendo, e tudo explode num grande clarão...

        E eu solto um grito de pura satisfação de conseguir me libertar...


    “Continuem atacando!” gritava Euro, com Charya nos braços. “Ela vai voltar a si!” Lá em cima, Dova estava quase sufocada pelos tentáculos do monstro. Tocar em Charya havia sido um esforço que a deixou vulnerável ao aperto da criatura.

        E quando parecia que não havia mais jeito, Azif girando sua cimitarra sobre a substância bizarra do Mensageiro, Berya tentando desequilibrá-lo com sua espada, sem efeito algum... os contrabandistas atacando com suas armas de choque... a Prodígio de vermelho abre os olhos acordando, grita empunhando sua katana, e Euro é o primeiro a sentir o impacto, a conexão em sua mente, algo que havia sentido apenas uma vez, quatro anos antes.

        Azif também percebe, e sua lembrança é ainda mais real; Berya sente na mente um contato que não é invasivo como foi o do monstro a possuindo, e Dova, quase desfalecendo, ganha vida nova e consegue desvencilhar seu báculo do tentáculo do Mensageiro.

        A força de todos os quatro é canalizada para Charya e o grito continua, só que desta vez, com potência telepática total, direcionada contra o monstro gigante; Charya salta para a frente e acompanha o grito com uma perfuração funda na substância da criatura, fazendo com que ela trema freneticamente, largando Dova.

        A Prodígio de branco cai no chão como se fosse uma pluma, com um giro acrobático, e o Mensageiro explode como se fosse um mero camaleão-do-meio-dia atingido por Charya.

        Os contrabandistas suspendem o ataque e o Grão-Mestre corre em direção dos garotos, “Muito bem, Charya! Sabia que vocês conseguiriam! É um Prodígio!”

        Mas ela não aguenta nem dez segundos em pé, e ao cair também desabam, como em sincronia, os outros quatro Prodígios. Antes de desmaiar, só teve forças de dizer:

        “Eu nasci assim.”




3 comentários:

  1. O blogspot está uma merda na formatação hoje... a cada dia penso mais em importar tudo pro wordpress...

    Enfim, depois posto os links, pq várias das imagens já estavam no meu HD, e tenho de voltar ao trabalho.

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  2. E morre o monstro do dia.
    Mais 50 episódios e podemos filmar tudo.

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  3. http://sagadosprodigios.blogspot.com/2011/09/escarlate-e-rubro.html

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