terça-feira, 12 de abril de 2011

TREVAS E METAL

Arthur Ferreira Jr.'. lhe traz o Décimo Episódio da SAGA DOS PRODÍGIOS







“É INCRÍVEL COMO VIVO LÁ DESDE OS DOIS ANOS, mas nunca consegui me acostumar.”

        “As memórias de antes do exílio são tão fortes assim, filho? Você era tão pequeno... lembro de ter cuidado de você até que seu pai foi forçado a tirá-lo de mim.”

        “Mãe... eu sei que ele deve ter tido toda a razão de ter ido embora e me levado, especialmente por conta do Euro, mas...”

        “Mas?... diga, filho.”

        “Mas, por todos os deuses, eu preferia ter sido deixado para trás! A senhora teria continuado a cuidar de mim, não? Anisha não foi, nem de longe, uma mãe como a senhora... que ela não me ouça falar isso. E eu poderia agora ser um sacerdote!”

        “Você ainda pode ser, Azif. Se conseguiu voltar aqui e conversar comigo... é sinal de que pode permanecer. Seu pai ficará muito desapontado, é fato, mas...”

        “Não! Eu não posso, e... talvez ele fizesse algo contra a senhora... oh, mãe... me perdoe...”

        “Quais são os planos dele para você? Fídias sempre tem planos. De certa forma, foi o que me atraiu nele: a astúcia charmosa.”

        “Envergar um paradoxo. Me dá vergonha dizer isso, mãe... sei que o Alto Sacerdote e os outros enxergam os uniformes como demônios... eu mesmo tenho dúvidas... vi o que o uniforme pode fazer... mas três da tropa foram mortos recentemente, mesmo que eu não quisesse a honra, é preciso haver substituição... ele deve confiar mais em mim, que sou filho dele. Acho.”

        “É mais do que isso, não é? Percebo que quer voltar lá por alguma outra razão... mas antes, escute, que Mordekai não me ouça, a verdade é que os paradoxos não são demônios. Vou te contar uma história, sabe o que é isto aqui, não?”

        “Um cristal anão?”

        “Um ídolo da Mãe-Monstro, feito de cristal anão. É seu agora.”

        “...”

        “Há muito tempo, houve uma das grandes guerras, e havia uma arma muito poderosa, que era pior que os enxames de lampreias-voadoras do Ermo. Era uma nuvem da vida e da morte, com ela podia se construir ou destruir, matar ou curar. Com o fim da guerra, a nuvem ganhou consciência própria – e se dispersou pelo mundo. Você não enxerga agora, mas ela está por toda parte. São minúsculos os seres que compõem a nuvem. E este cristal é feito desses seres, adormecidos. Vai compreender melhor quando utilizá-lo, mas entenda que... os uniformes-paradoxo que seu pai tanto admira são cheios do poder da nuvem, e poder vivo, que se mexe, age... e pensa. Uma tearcubadora enche desse poder uma massa, um líquido dos fungos das cavernas dos neander, não muito diferente das trufas místicas do Ermo. E por falar nisso – este vinho de trufas está uma delícia. Pena que você nunca poderá experimentar.”

        “Hum... o pai me disse para não consumir nada que tivesse a ver com as trufas. É uma... pena, parece mesmo saboroso.”

        “E aguça e ilumina meus sentidos. Por isso eu percebo que você está carregando algum outro fardo, filho. Alivie-o com sua mãe.”

        “Vou ser iniciado no paradoxo junto com uma moça, mãe... e quero muito voltar, por conta disso.”

        “Está apaixonado por ela?”

        “Hu-hum.”

        “Ela SABE disso, Azif? Vai ter de se apressar, ou tomar uma decisão. As coisas não são como você pensa. Se forem iniciados, nunca vão poder ser um casal de verdade, nem sequer um casal como eu e seu pai fomos, ou como eu e o pai de Euro fomos. Está me entendendo...?”

        “Hã? Como assim?”

        “O uniforme é CIUMENTO, Azif. Ele não vai deixar que você tenha Charya.”


MÃE? O que é esse lodaçal?

        “Mãe! Euro! Charya!...” Não adianta gritar. Essa lama me cobre até os ombros e eu não consigo enxergar direito porque a copa das árvores é muito densa. Parece não haver fundo... mas eu também não estou afundando.

        Como me sinto fraco. E o cristal anão do meu uniforme parece estar se dissolvendo no lodo... acho que me debati demais, só pode.


        Então não adianta me debater, tenho que ficar quieto pra conservar a energia? Me acostumei a enxergar o cristal do meu paradoxo como se fosse metal, maleável quando eu queria, rígido e afiado como uma cimitarra quando eu precisava. É muito estranho ver ele se dissolvendo assim na lama, sem que eu tenha mandado.

        Alguma coisa vem caminhando por entre as árvores, o que é isso?




“MÃE?!?”  A mulher vinha caminhando por sobre o lodo como se ele fosse sólido, com graça e elegância, e a lama não sujava sua roupa sacerdotal, que revelava e ocultava alternativamente as partes de seu corpo. Nem sequer as botas negras estavam sujas ou molhadas. A marca ritual da deusa Mãe-Monstro era vista em seu rosto e no penteado peculiar e extravagante. “Mãe, é você mesmo? Ou é a própria deusa que veio me buscar? Eu morri, o bicho me matou, mãe?”

        “Mas que menino bobo, ficou preso.” A mulher sorria, seus olhos verdes faiscavam.

        “Mas... mãe, me ajuda.”

        “NÃO.” O sorriso se ampliou e ela mordeu os lábios de leve. Os olhos verdes se dilataram.

        Não muito longe dali, uma forma feminina, branca e prateada, saltava de uma árvore para outra, tentando desesperadamente chegar a Azif o mais rápido possível, sem correr o risco cair no lodaçal e se tornar uma presa fácil daquele novo monstro.

        Uma frase se repetia na mente de Azif, Oh, senhor, cuidado com o ciúme...




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