sábado, 16 de abril de 2011

BELEZA FANTASMA

O Episódio Doze da SAGA DOS PRODÍGIOS não resistiu e se exibiu antes do tempo!



A GAROTA CERROU OS DENTES, SOLTOU A KATANA em pleno ar, que foi puxada por seu uniforme-paradoxo – como se fosse um ímã, incorporando-se ao tecido espesso. “Você merecia ser deixado aí, mas eu não vou me igualar a ela.” Curvou o busto para a frente – nisto Azif notou, um pouco perturbado, que ela parecia mais madura do que antes, e não só na expressão, como na luta contra o Mensageiro – e estendeu as duas mãos espalmadas para o Prodígio Negro.

        “Por quê? O que é que eu fiz de errado?”

        “Cala a boca e entrelace as mãos nas minhas. Não, eu não vou te puxar: pare de fazer força. Isto não adianta nada. Só INSPIRE FUNDO, E BEM FUNDO.”

        Azif suspirou fundo. “Mais forte do que isso, vamos...” instigou Dova. Os pedacinhos de cristal que iam se dispersando pela lenta superfície do lodaçal foram atraídos pelo corpo de Azif, e Dova continuava impelindo, os dedos suados entrelaçados com os dedos sujos de lama do rapaz: “Vamos, seu bobo... você pode.”

        “Agh.” Azif sentiu uma dor penetrante em vários pontos do corpo; era como se algo se insinuasse dentro de seus poros. Aquilo começava a ser pior do que durante a cerimônia de união ao paradoxo, e ele não entendia como podia ser assim. Por fim, todos os fragmentos estavam nele e foi quando se sentiu livre para se mexer. Nesse momento, Dova largou as mãos e recuou três passos.

        Havia algo de desafio no olhar de Dova, que Azif não tinha notado antes. Ela pôs as mãos na cintura e disse, “E então? Que está esperando para se levantar?”

        “Como é que você sabia o que devia fazer?” Ele foi se apoiando como se saísse de um buraco, os membros e juntas ainda um tanto doloridos.

        “Não me pergunte isso, que eu não sei explicar. Coisa de Família, é o que meu avô diria. Tenho certas intuições quando estou perto de algumas pessoas e... você é uma delas.” Dova mordeu delicadamente os lábios e ajeitou uma mecha castanho-clara, com o gesto o uniforme se retraiu um pouco de seu pescoço, deixando até os ombros parcialmente nus.

        Azif conseguiu sair de todo e pisou na lama – um tanto borrachuda, mas era capaz de andar, embora não tão elegantemente quanto Dova. “É... queria entender como é que estou conseguindo andar em cima desse líquido. E por que e como você mudou a forma do traje dessa maneira...”

        Dova riu gostosamente. “Preste atenção na sua voz e vai ver que aconteceu algo parecido com você!” Azif se deu conta então que sua voz estava meio abafada, saía como se distorcida... de uma coisa que parecia uma mescla de máscara de gás e focinheira, feita do metal ou cristal anão do uniforme-paradoxo, e que havia coberto parte do seu rosto enquanto ele se concentrava em libertar-se. Ficou surpreso e olhou para o resto do uniforme, os metais estavam dispostos de forma mais simétrica, em padrões de arabesco, e o couro negro que era o tecido duro do uniforme-paradoxo se amoldava melhor aos contornos de seu corpo, formando uma musculatura artificial atlética.



        “É quase como se você tivesse sido esfolado e seus músculos fossem negros!” Ela se adiantou e tocou com a ponta do dedo o peito de Azif. “Hmm, é engraçado como dá pra sentir através do uniforme, né?”

        Ele tirou a mão de Dova do seu peito e só comentou um tanto seco, “Pode ser, mas não sei se essa recomposição tornou o uniforme mais sensível, então é melhor você não me tocar agora.”

        “E depois pode?” Riu meio galhofeira. Aziz pensou consigo, mas o que é isso? Ela não parecia ser assim. E só tem treze anos. Tá certo, várias dessa idade são assim, mas o jeito dela era diferente. Antes que pudesse fazer qualquer comentário ou reclamação, Dova saiu meio pulando em meio ao lodo, espanando lama, dizendo, “Vamos por aqui; acho que consigo achar a saída.”

        Os dois andaram em meio às árvores de galhos retorcidos, que foram cada vez mais ficando separadas e num dado momento Azif percebeu que haviam chegado na orla daquele manguezal. Do lado de fora, era perceptivelmente mais claro – lá dentro, tudo era penumbra.

        Era uma espécie de pradaria.

        “Tem ideia de onde estamos? Já que conseguiu nos tirar daqui...”

        “Mais ou menos. Essas minhas intuições aumentaram depois que eu usei o uniforme... ele cochicha na minha mente e melhora essa minha... sei lá, capacidade, mas ao mesmo tempo eu estou tendo uma certa dificuldade em entender o que ele quer dizer. O palpite que eu posso te dizer é... que é como se esse lugar de onde acabamos de sair fosse feito sob medida para você. Não me pergunte o sentido disso.”

        “Talvez com o tempo aprenda a compreender,” comentou Azif. “Afinal, você é muito jovem.”

        Dova fez um muxoxo e estendeu a mão para a frente, e a katana presa em suas costas foi até ela, como se reagindo. “É... com o tempo, né? Sei...” Apontou a espada para a frente e indicou, “Olha lá um caminho. Vamos segui-lo.”

        E de fato havia uma trilha muito batida. Os dois andaram uma meia hora por aquele chão poeirento e cheio de gramas de jeito esquisito, até chegar ao caminho avistado. Era uma espécie de estradinha como as que são costume na Terra Castanha.

        E ao pisar o pé na trilha, Dova ficou extasiada. O cenário em volta havia mudado – não era mais uma pradaria e sim um matinho rasteiro característico da Terra Castanha; mais adiante na estrada ela enxergou uma cidade. Tirou o pé e tudo voltou a ser como era antes.


        “O que foi?” Perguntou Azif, desconfiado. Parece estar ficando maluca.

        “Veja você mesmo,” e puxou o rapaz para perto de si. “É como se estivéssemos sonhando... não é mesmo? Um sonho?” Nesse momento Azif não se controlou; não só havia se surpreendido com a mudança de ambiente, como o sorriso que Dova lhe oferecia perto de seu rosto era muito parecido com os sorrisos maliciosos de Charya. E ele sentiu dentro de si impulsos que não sentia desde um ano antes, desde antes da cerimônia de união.

        O uniforme-paradoxo era ciumento, dizia a Matriarca, e o Grão-Mestre havia lhe explicado que o uniforme era vivo e se alimentava da energia que os neander chamavam de libido; canalizava aquilo tudo, todo aquele vigor da juventude, para as funções paradoxo. E assim Azif ainda amava Charya, mas não era mais apaixonado, porque já não sentia aqueles impulsos da adolescência que duravam boa parte da vida adulta.

        Ali naquela terra estranha, parecia que o uniforme aumentava esses impulsos, a máscara que cobria o rosto de Azif se abriu sozinha, com um ruído mecânico – e os dois se beijaram, os pés indo e voltando devagar durante o abraço, fazendo o cenário ser pradaria, mato, pradaria, mato, pradaria, mato... até que veio se aproximando uma biga a toda velocidade pela estrada, e o rapaz corpulento e um tanto familiar que comandava o cavalo gritou:

        “ALTO!”




BAIXE A COMPILAÇÃO DO PRIMEIRO ARCO DE HISTÓRIAS:

3 comentários:

  1. AGRADECIMENTOS
    a Vagner Campos, graças a uma tirada dele me decidi pelo nome deste episódio;
    a Kinn, pelo feedback;
    a Gilvane, pelos elogios;
    a Thiago Omega, pelo interesse.

    IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, FONTES E AUTORES:

    1, 3 e 4
    Camilla d'Errico
    1 - Jovey's Antoinette
    3 - Bone Bride
    4 - Sticky Licking
    http://www.camilladerrico.com/paintings/


    2
    Rick Genest, o Zombie Boy
    http://www.zupi.com.br/index.php/site_zupi/view/um_zumbi_no_mundo_da_moda/

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  2. http://sagadosprodigios.blogspot.com/2011/09/beleza-fantasma.html

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  3. Gostei muito do seu blog... também tenho uma historia com personagens fictícios.

    Se quiser conhecer:

    http://suryelconelly.blogspot.com/

    Parabéns...

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