quinta-feira, 10 de março de 2011

O PREÇO DA IMORTALIDADE

Por Arthur Ferreira Jr.'.




Para Neith War


Arm yourself because no one else here will save you
The odds will betray you and I will replace you
You can't deny the prize, it may never fulfill you
It longs to kill you, are you willing to die?
The coldest blood runs through my veins:
You know my name.
Chris Cornell, You Know My Name


"ENTÃO, JÁ ESTÁ QUASE AMANHECENDO." A voz no corredor do subterrâneo escuro ecoava de modo distinto. Aquilo era úmido e muito se assemelhava a uma cripta; Belial podia ouvir os pingos caírem no chão parcialmente inundado. "Que tal darmos uma volta lá em cima? Deve ser mais divertido que ficar preso neste poço de vermes."


A forma extremamente pálida de um homem saiu da escuridão quase onipresente, vinda de cima  ele parecia estar com os pés bastante fixos na parede e não ter qualquer dificuldade em se manter ali  e o rosto um tanto inclinado, encarquilhado, movendo os lábios irritados: "Como conseguiu entrar aqui? Como passou despercebido? Como ..."

"Antes de mais nada," interrompeu o vampiro Belial, "as formalidades. Você é Camazotz."


"Você é ... Belial." A figura nas trevas bailou no ar, trêmula, e veio planando sobre o ar úmido; não tocava o chão. "Que mereço pela invasão de meu território?"


"Você é mesmo um vampiro muito antigo," respondeu Belial, "para se expressar em termos de território. Imagino que não queira responder ao meu convite de conversarmos lá fora, por conta disso."


"Doloroso demais. E vá direto ao assunto." Os olhos daquele vampiro, Camazotz, brilhavam azulados na penumbra que circundava a ambos. A diferença entre os olhos dos dois vampiros era de tom: enquanto os olhos de Belial eram de um cobalto muito profundo, Camazotz exibia retinas azul-turquesa quase fluorescentes.


"Então. Pode lhe parecer talvez estranho, nessa sua velhice, mas eu conheço você. Já nos encontramos uma meia dúzia de vezes, com outros nomes. Da última vez, você se chamava ... Yurugu."


"Ah!" O vampiro mais velho pôs a mão, de unhas muito amareladas e sujas, sobre a testa, como se sentisse dor de cabeça. "Pare! Isto é mais doloroso que a luz do sol, pare."


"Não quer remoer velhas lembranças, não é mesmo? Recordar suas identidades passadas então é mesmo um fardo para você, velho?" Belial foi se aproximando do outro vulto vulpino. "Não se irrita com essa coleção de fraquezas que mais de trezentos anos passados nesse corpo lhe obrigaram a manter?"


"Que quer que eu faça? Eu não quero morrer. Não quero voltar à escuridão exterior." O vampiro mais velho parecia estar se recuperando, mas ainda mantinha a mão na testa.


"Não está entediado?"
"Não! Eu gosto de quem eu sou."
"Mesmo que esse eu seja uma coisa artificial, roubada."
“Sim! E não encaro como artificial, não mesmo.”
"Então teme por essa zombaria de vida que ainda lhe resta."


A última frase foi acompanhada por um movimento rápido e Belial segurava Camazotz pelo pescoço; a água espanou-se pelo ambiente umbroso, pequenas gotas cintilando à luz dos poucos candeeiros que luziam no corredor anexo. Camazotz tentava desesperadamente voltar à parede de onde havia surgido, mas a força de Belial parecia maior ... e o vampiro mais jovem lhe sorria ... dentes à mostra. Aquilo irritou o ancião e ele conseguiu ignorar os ecos da dor de cabeça. Seus olhos turquesa brilharam forte, e já ia revidar de algum modo que jamais saberemos qual, porque Belial interrompeu a óbvia demonstração de poder vulpino com uma única frase:


"Eu era Samyhazah."


"Oh!" Os olhos de Camazotz fecharam-se com a dor que inundava seus pensamentos. "Afinal ... que é que você quer? Me torturar? Éramos amigos, da última vez ..."


"O único vulto que permanece na Terra por muito tempo – tempo demais – e não acumula fraquezas como a suas ... medo da luz solar, alergia a vários elementos diferentes, no seu caso também, a necessidade de um território definido, medo das próprias memórias ocultas ... é Kronos. E mesmo ele rejeita o fardo. Pelo que sei, sempre busca a morte, e sem sucesso. Por que você gostaria de provar o que um imortal milenar rejeita, e ainda com todas essas vulnerabilidades que ele não sofre?"


"Por ... não ia entender."
"Entenderia, sim, velho. Eu já matei a razão de sua existência."
"COMO? MOIRA? Onde está Moira?"
"Provavelmente no mesmo limbo onde Nemesyn se esconde, neste exato momento. Na escuridão exterior."
"Seu ... seu desgraçado. Que é que quer de mim?"
"Quase tenho pena de você, porque tenho a mesma motivação. Tenho medo de perder minha identidade atual, e com isso perder o amor ... dela. Numa outra existência, eu teria outra identidade, e esta aqui, este Belial, nasceu dela ... como imagino, com toda certeza, que aconteceu com você."
"E sabendo de tudo isso, porque a matou?"
"Porque eu tenho acesso a coisas que você não tem e que me dizem que quanto mais vampiros eu matar, e de certo modo, mais chances terei de roubar o poder de Kronos. E aí, meu caro, eu não sou como ele, solitário; sou como você, apaixonado. Viverei a eternidade ao lado dela." O outro vampiro não conseguia mais forças para replicar, embora parecesse querer dizer algo. "A eternidade ao lado de Belin."


Belial respirou fundo e sussurrou: "Ar. Coisa que eu tenho certeza que você não precisa mais respirar, não depende mais disso. Mas deixou de ter o prazer de respirar. Com o poder de Kronos, eu terei todos os prazeres e Belin me protegerá do tédio que tortura aquele maldito."


Camazotz afrouxou toda resistência, e pareceu apenas esperar. Os olhos turquesa eram dois minúsculos brilhos na noite ... a noite que terminava com a aurora lá fora, e que terminava com o que estava para acontecer.


"Em nome de Annanke," Belial pronunciou o nome com autoridade e inexorabilidade que pareciam inefáveis, "Eu te desfaço, agora."


E com os braços fortes, puxou os ombros do vampiro ancião, um para cada lado, rasgando-lhe o torso como se não fosse nada. Uma energia brilhante, turquesa, dele escapou, e os olhos perderam aquela última fagulha de vida.


Rápido, Belial agarrou o relâmpago turquesa com as mãos nuas. Os punhos tremiam e as veias de seus braços saltavam com a dor do contato. "A mim," ordenou à energia viva, hiperdimensional, que roubava de Camazotz.



         ...




Lá fora, uma vampira de olhos púrpura balançava as pernas no topo de um edifício. Belin encarava a possibilidade da queda, sem cair, e escondia seus próprios planos de Belial, assim como Belial lhe escondia segredos ...

3 comentários:

  1. IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, FONTES E AUTORES

    1
    Graffiti de Kenny Random
    http://www.zupi.com.br/index.php/site_zupi/view/os_homens-sombra_de_kenny_random/

    2
    Alimentação do Morcego-Vampiro do Zoológico de Omaha
    http://flickriver.com/photos/djhinrich/2411192297/

    3
    Vampire Bat (Diffuse), de JC Charbonneau
    http://www.3dcreatures.com/VampireBat.html


    4
    Lauri Blank, Noche
    http://blankstudio.com/

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  2. And the plot thickens.

    Mais ou menos acertado de, assim que terminar a noveleta que Neith, Draven e eu estamos escrevendo, eu e ela voltarmos a escrever sobre Belin e Belial.

    Eu só tou lubrificando o caminho.

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