sexta-feira, 18 de março de 2011

PARADOXOS

... trazidos a você por Arthur Ferreira Jr.'. no terceiro episódio da SAGA DOS PRODÍGIOS







ELA TINHA UM CHEIRO DE BAUNILHA. Dova podia perceber o perfume de longe, e parecia mesmo que a fonte do odor fazia questão de mostrar-se: sobre uma elevação rochosa, bastante característica daquela parte do Ermo, estava em pé, numa pose quase displicente, embora altiva, uma garota usando uma veste vermelha exótica.

    "Quem é...?" sussurrou Dova, sua desconfiança voltando novamente.

    A garota na ponta da rocha não se movia e olhava para outra direção. Parecia ter cerca de dezessete anos e sua roupa brilhava em certos pontos, refletindo o sol inclemente. Azif coçou a testa empoeirada pelos ventos do Ermo e respondeu, sem murmurar: "Sentinela do acampamento. Não precisa ter medo, Dova."

    "O que é isso que ela está usando?" Os reflexos quase incandescentes nas roupas da tal sentinela irritava os olhos de Dova.

    "É um..." ia esclarecendo, mas Dova interrompeu, quase gritando: "O que é essa umidade tão de repente no ar?"

    CALEM A BOCA. Dova ouviu nitidamente a frase em sua mente, uma voz feminina e séria. Dova não pôde reagir nem comentar nada com Azif, porque se surpreendeu com o movimento ágil e súbito da figura de vermelho no topo das rochas, liberando o corpo pelo ar numa acrobacia perfeita; durante a queda Dova enxergou que a garota sacou, em uníssono com a manobra, uma espécie de espada que estava presa em sua coxa, e que Dova não havia notado antes devido à posição anterior da desconhecida.

    Quando aterrissou no chão arrasado do Ermo, a dita sentinela rasgou o ar com a espada, dissolvendo o calor ondulante do meio-dia, que se concentrava de forma peculiar perto do paredão rochoso.



    Azif saiu correndo na direção da nova garota, e Dova não viu alternativa senão segui-lo; embora não com tanta rapidez. O rapaz parou a três passos da menina de vermelho, que arfava após o golpe aplicado no nada, "Charya! O que foi isso?"

    "Até você, gritando, Azif?" Dova percebeu que a voz da sentinela de vermelho era a mesma voz que havia ouvido em sua mente. Parou a uma distância que considerou segura, baseada em algum critério vago e receoso; percebia que os reflexos na roupa da garota mais velha eram pedaços de metal incrustado, de um tom acobreado e que reluziam bem mais que os metais opacos no uniforme de Azif. Os olhos da tal Charya fitaram Dova e a voz de novo se fez ouvir, tanto diretamente na mente da caçadora de trufas quanto na forma normal de som pronunciado: "Então essa é a Dova, hein?"

    "Tive um pouco de problema para resgatá-la, mas é essa mesma." Azif pigarreou e retomou a pergunta anterior: "E o que ... é isso aí, mesmo?"

    Dova reparou que no chão se espalhava uma gosma viscosa, quase transparente, e que vibrava devagarzinho como a nuvem de calor que o golpe da moça de vermelho havia de alguma forma dissipado. "Desde a noite em que você partiu, Azif," respondeu Charya, "esses bichos passaram a espreitar o assentamento. Seu pai os chama de camaleões-do-meio-dia."

    "Meu pai e sua mania de dar nomes a tudo. Está morto de verdade, esse tal camaleão?"

    "Sim, são só espasmos posmorti." Dova foi sentindo a umidade ambiente voltar ao normal. "Olá," arriscou a menina, "seu nome é Charya, não é? O que é essa roupa que você usa?"

    A garota de vermelho gargalhou. Dova sentiu ecos tênues das risadas invadirem sua mente. "Azif! Não explicou a essa criança sobre os paradoxos?"

    "Preferi deixar isso a cargo de meu pai," resmungou alto o rapaz de preto, "Mikhail-Jehova sabe o quanto ele gosta de explicar as coisas."

    Charya riu de novo, dessa vez mais maliciosamente, "Você tem medo é de ser contradito, isso sim."

    "Contradito?" perguntou Dova, curiosa.

    "Azif tem suas próprias ideias sobre tudo ... Dova." A sentinela sorria enquanto Azif olhava para os lados como se não fosse com ele; mas Dova sabia que ele também estava perscrutando o ambiente. "De qualquer forma, mesmo as explicações do Grão-Mestre não vão ser as mesmas coisas do que você experimentar seu próprio uniforme-paradoxo."

    "Vou ter mesmo de usar uma coisa dessas?" Dova parecia ao mesmo tempo desconfiada e ansiosa.

    "Na verdade é o contrário," riu de novo Charya.

    "Hã? Não entendi."

    Azif meteu-se na conversa, "Vamos andando, Charya? Eu não quero ficar o dia inteiro debaixo do sol a pino."

    "Nem venha com essa, só porque usa preto, sei que não está sentindo tanto calor assim;" e Dova notou que era verdade, ele suava tanto quanto suou à noite. "Não vou com vocês; ainda acho que tenho alguns camaleões a matar por aqui. Encontro com vocês mais tarde. Mas até lá... Dova, uma coisa para você mastigar durante o restinho da viagem."

    E tirou uma coisa que parecia uma maçã, cheirando forte a baunilha, de uma espécie de bolso camuflado no uniforme vermelho.

    Dova foi estendendo a mão para pegar o presente quando foi impedida com toda pressa por Azif: "Ficou louca, Charya? Quer desperdiçar todo o meu trabalho em resgatar essa menina?"

    Dova ficou confusa e assustada, mas manteve a calma respirando fundo e perguntou antes que a garota mais velha soltasse uma de suas risadas que reverberava na mente: "O que é isso, Azif? O que é essa coisa? Parece uma fruta... porque não posso comer?"

    Mas foi a própria Charya que respondeu: "Isto é uma espécie de trufa que você, pelo visto, não conhece. O tabu de não comer das trufas, que a família Daury lhe ensinou, minha querida, tem toda razão de ser para um caçador do Ermo. É sábio não comer nada que lhe é oferecido por aqui, a não ser que seja dentro do acampamento." E passou o fio da espada pela trufa-maçã, com delicadeza, sem cortar de fato aquela coisinha valiosa, só arranhá-la.

    "Então você ia me... mas porque não podia comer, afinal de contas? Nunca me explicaram isso, era um tabu, não se dizia o que poderia acontecer. E eu nunca desobedeci."

    Charya olhou para Azif, que balançava a cabeça, desgostoso: "Não, Charya, ela não foi condicionada; eu prestei atenção a isso durante a viagem de volta. Ela nem mesmo percebeu." E sorriu, tentando suavizar o que estava dizendo: "Se comer uma dessas coisas, poderá ficar viciada com muita facilidade... como os sacerdotes da Terra Castanha." Dova torceu a boca ao ouvir falar deles; não havia perdoado os dias na prisão-elevada. Azif continuou, "E se ficar viciada, nunca mais poderá detectar as próprias trufas em que se viciou. Vai deixar de ser um Prodígio"

    "Então é por isso que eles mesmos não entram no Ermo..." admirou-se Dova. "Mas isso é um paradoxo!"

    "Melhor se acostumar," riu mais uma vez Charya, o som irônico ecoando na mente da jovem caçadora de trufas, e adicionando apenas para a mente de Dova, em silêncio, olhando firme para a garota mais nova: Paradoxo é só o que verá enquanto estiver conosco...




10 comentários:

  1. IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, AUTORES E FONTES

    1
    de David Orias
    http://www.zupi.com.br/index.php/site_zupi/view/as_fotos_abstratas_de_david_orias/

    2
    De Maria Wibisono
    http://www.dumage.com/impressive-digital-girls/

    3
    de Curtis Killorn
    http://www.zupi.com.br/index.php/site_zupi/view/natureza_morta_bem_viva/

    4
    Cthulhesque II, de Camilla d'Errico
    http://www.camilladerrico.com/paintings/

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  2. Onde é que vc tgá na net?
    N te vejo no msn nem no gtalk, rapá

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  3. Hum... Trufas... acho que saquei. Essas trufas deixam a pessoa mais... dinâmica?

    O Azif queria fazer Dova dar uma provadinha na trufa, sacana ele. rsrsrsrs.

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  4. Isso fica bem claro no primeiro miniconto ... é que obviamente o blogspot mostra na ordem contrária de leitura, porque mostra os mais recentes sempre.

    A maioria das trufas é usada para conseguir visões e alucinações.
    O tal monstro-trufa aparece no primeiro conto e é uma criação de alienígenas que fizeram seu mensageiro a partir da vida natural do Ermo -- no caso, as trufas.

    Dova vendeu a localização do monstro aos sacerdotes da Terra Castanha e isso não deu muito certo, como se vÊ no conto anterior e no primeiro. Tanto os aliens se irritaram pq as preces dos sacerdotes começavam a chegar para eles através das alucinações provocadas pela "carne" do mensageiro, como os sacerdotes entravam em contato com "novos deuses", obviamente os alienígenas e isso gerou uma cisão na religião da Terra Castanha.

    Está rolando uma bela guerra civil lá e é bom Dova ficar distante disso um bom tempo ... enquanto puder, rsrss

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  5. O marcador Saga dos Prodígios fica sendo para identificar essa série de minicontos...

    "Terra Castanha" e "Ermo da Condenação" serão usados a depender de citações dos lugares e da locação.

    Por enquanto não pretendo ir além do tamanho de um miniconto (1500 palavras); pelo menos, tenho planejado que não até ter 5 minicontos, uma trufa para quem adivinhar o pq.

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  6. Interessante, mas peguei a historia no meio, onde é o começo? rsrs

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  7. Ué, eu disse aí nos comentários, basta olhar os marcadores, todos esses minicontos têm "Saga dos Prodígios" como rótulo.

    Apertando no link vc cai numa seleção, organizada em ordem do mais recente pro mais antigo.

    É só começar do mais antigo; mas estou começando a admitir que, no caso de uma série direta como esta e não só um subcenário, como é o caso dos vampiros de "Vultos Vulpinos" ou da "Licantropsicodelia", junto com as indicações de imagens, eu boto o link pro miniconto anterior.

    Ou mesmo posso pôr no fim de cada miniconto esse link, e depois editar quando houver o miniconto seguinte.

    Mas o marcador já serve pra isso, pra selecionar o que vc quer ler.

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  8. http://sagadosprodigios.blogspot.com/2011/09/paradoxos.html

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