quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Eu Era o Trauma

De Arthur Ferreira Jr.'.
Dedicado ao Caian Nevoeiro de 2025
Agradecimentos Especiais a Robert W. Chambers, Ambrose Bierce, August Derleth e H. P. Lovecraft

QUANDO EU TINHA 7 ANOS, me disseram que criança é mais vulnerável a traumas.


Eu nunca tinha ouvido falar de trauma de infância.  Na verdade, eu nem sabia o que era infância direito; a palavra "infância", porque sentir a infância, eram outros quinhentos.  Imagina, então, trauma.  O que era trauma?


Marina tinha 13 anos e sabia o que era trauma; ela me explicou.
Fazendo isso ela deu vida àquela criatura chamado trauma: era pior que bicho-papão, e eu e todas as crianças éramos presas fáceis desse monstro.


O trauma começou a aparecer não só debaixo da cama, como nas esquinas das ruas, nos rostos dos estranhos, dos desconhecidos que minha mãe dizia que eu não devia responder.


O trauma tinha milhares de rostos.  Usava milhões de máscaras diferentes: a moça drogada que sentava no meio-fio; o mendigo que parecia ter mais de dois olhos quando eu olhava para ele de lado; aquele senhor com cara de empresário, que tinha uma mancha avermelhada esquisita na manga do paletó; a camelô que sorria sozinha enquanto guardava as mercadorias; o síndico do prédio que pedia para conversar com meu pai, a sós; a babá de meu irmão mais novo; o padre.


O cachorro do vizinho tinha cheiro de carniça.  O gato que tomava sol na frente da casa passou a se empoleirar no muro, cheio de cacos de vidro, e dali de cima me fitava, sem piscar.  O matinho detrás de casa passou a ser frequentado por todo tipo de inseto e cobra.  Aquele atalho para a escola já não era mais seguro, porque tinha uma cabeça espetada numa espécie de poste pontiagudo, no meio de uma encruzilhada sombria.  As névoas vinham e voltavam nos limites da cidade.


Um menino desconhecido um dia ficou parado na frente do meu colégio, quando todo mundo já tinha ido embora e meus pais estavam atrasados.  Ele usava uma máscara amarelada.  Não era Dia das Bruxas, nem estava perto.  Ele não quis as guloseimas que eu ofereci, nem respondeu quando eu perguntei que travessura ele estava aprontando com aquela máscara.


Na verdade, ele respondeu.  Ele só demorou uns cinco minutos.


Eu já tinha esquecido da pergunta, quando ele disse:


"Não é uma máscara."






Foi então que eu soube.  Ele estava ali.  Era o Trauma.  Não me lembro do que aconteceu depois.  Acho que acordei no dia seguinte, na minha cama.  Ou foi de madrugada, na cama de meus pais, tremendo de medo?


Eu não sei onde ele se esconde.  Depois daquele dia eu não enxerguei mais as coisas que rastejavam e espreitavam e rondavam e empurravam meus pensamentos e minha coragem para debaixo de um tapete invisível.  Eu estava curado.  O menino da máscara me curou.


Mas ... espere.  Como só pude me lembrar disso agora?


Não era uma máscara.


Não.

11 comentários:

  1. IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, FONTES E AUTORES

    1
    Secrets of Children, de Angela Bacon-Kidwell
    http://www.angelabaconkidwell.com/

    2
    Escaping History, de Angela Bacon-Kidwell
    http://www.angelabaconkidwell.com/

    3
    Wizard of Oz Redux, by Tim Seeley e Katie DeSousa
    http://www.uproxx.com/feature/2010/11/10-awesome-fan-reimaginings-of-popular-characters/
    http://coltnoble.deviantart.com/art/Wizard-of-Oz-redux-74084246

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  2. Malkavian rulez! Lembro que para definir um sentido pra um personagem que tivesse traumas no passado era horrível porque em diversos momentos não queremos tomar como referência os nossos proprios traumas.

    Parabéns!

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  3. De fato é fácil lembbrar por associação livre o "monstros, monstros por toda parte" do HeinºRagen.
    Sò nunca tinha pensado em associar ao imperador, que curiosa e paradoxalmente usa máscara (ou definem-no com algo assim)

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  4. O "Imperador" é um amontoado de máscaras, como você vê. Ao contrário de Nyarlathotep, que é um código-fonte com várias aplicações diferentes (suas máscaras), o "Imperador" se apresenta em camadas por trás de camadas por trás de camadas. E ao mesmo tempo não há máscara alguma!

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  5. Até você ficou grilada com o padre? Caiu no feitiço do Trauma.

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  6. Talvez, depois de ler isso eu conheça um outro trauma. Pior de tudo que o "trauma" é você. Fico imaginando que talvez você seja um portal obscuro de onde surgem contos e histórias esquisitas cheias de alucinações com um toque de loucura natural que sempre cola em minha mente, como um líquido viscoso e me propõe idéias terríveis sobre tudo. rs Mas nesse caso posso dizer que deste trauma eu sempre vou gostar =***

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  7. http://ilusions-of-neith.blogspot.com/2010/11/mascara.html

    Estou vendo ... e o pior é que foi simultâneo!

    Vai por mim, eu gosto de ser esse líquido viscoso com um toque de loucura natural. Especialmente se você também gosta disso ;)

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  8. hahahaha
    Sabe que eu tive esse "insight" na noite antes do post...ela veio inteira na manhã seguinte, e qd eu preocurava a imagem do espelho nem me dei conta de que a que coloquei é justamente algo "familiar" à vc rsrs. Será sincronia??

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  9. Não tem como ser outra coisa, uma sincronia é só uma coincidência deliciosa como essa. Cuco.

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