domingo, 28 de novembro de 2010

A BUSCA PELA MORTALIDADE





KRONOS PAROU NA BEIRA DO ACOSTAMENTO e entrou no mato.


Ele era Kronos há tanto tempo que não conseguia lembrar do Mistério que o definia; deixara de ser uma sombra errante há tantas eras, que não lembrava mais o nome da casca mortal que o abrigava.  A suprema ironia era a sua prisão.


Na beira da estrada, o carro começou a pingar combustível na pista.


Antes era um ser eterno, porque não era definido, uma entidade que brincava de aninhar-se num corpo humano por alguns anos, no máximo alguns séculos ... dando aí aos mortais a impressão da imortalidade ... não era mais o caso de Kronos.


Outros carros passaram ao lado daquele que vazava, cada vez mais velozes.

De todos eles, Kronos era o que merecia o nome de maldito. Enquanto todos os Vultos Vulpinos agiam como cucos, tomando o que queriam e batendo suas asas escuras para o nada informe quando se entediavam, Kronos estava preso ao seu corpo.  Há quanto tempo, era difícil precisar: talvez logo depois da extinção dos Neandertais.

A gasolina misturada com álcool se espalhava pela rodovia mal-iluminada, quase uma infestação rápida.

E agora Kronos precisava desesperadamente dormir. Queria um fim para aquilo, um fim para as perspectivas limitadas, para as olheiras cada vez mais escuras.  Ele queria uma luz no fim do túnel, um túnel de luz que o levasse para longe da vida mortal, mesmo que isso significasse a obliteração total, e ele nunca pudesse voltar de verdade ao reino de onde saíra há milênios.

Um carro passou derrapando na estrada.

Depois de ter acendido a centelha do vampirismo em mais uma mulher, em mais uma de suas vítimas, Kronos precisava se enterrar em meio à lama no meio do mato, tentar dormir algum tempo num lugar imundo o ajudava a ter a ilusão de que estava morto.

O motorista, extremamente hábil, conseguiu evitar a colisão com o carro estacionado no acostamento e seguiu viagem.

Não sabia quanto tempo ia passar naquele lodo quase pantanoso, a uns vinte metros da estrada.  Uma chuva recente quase alagou o lugar, era tudo que Kronos queria, a companhia da água e dos vermes famintos. Suas roupas de grife afrontavam a rusticidade do local, e seus sapatos caros estavam encharcados; ele os jogou longe.

Um carro veio vindo a baixa velocidade para os padrões de uma auto-estrada, o motorista fumava distraído, com o braço para fora.

"Nemesyn, sua puta!" gritou Kronos enquanto cavava um buraco no lamaçal. "Se não fosse por você, sua louca, eu não estaria preso a esse mundo podre!" Um cervo levantou a cabeça a uns cem metros de distância, assustado com os berros de alguém que parecia humano, mas não era.

Ao passar próximo do carro parado no acostamento, de onde há alguns minutos saíra um homem bem-vestido, que não passava da roupa de um deus-vampiro desesperado, ou antes sua prisão de tempo e carne, o motorista descuidado terminou seu cigarro e jogou a ponta ainda acesa na estrada.

"Esse mundo POOOOOODRE!!!"

Um grito no mato foi abafado pelo ruído brutal de uma explosão, que incendiou o trecho da rodovia e atingiu os matagais próximos, queimando a carne imortal de um vampiro em sua BUSCA PELA MORTALIDADE ...



5 comentários:

  1. IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, AUTORES E FONTES

    1
    Maquete de farinha e bolor feita pelo designer Daniel Del Nero
    http://danieledelnero.blogspot.com/

    2
    Fotografia Premiada de Sean Harvey
    http://www.zupi.com.br/index.php/site_zupi/view/concurso_de_fotografia_da_national_geographic/

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  2. a explosão era iminente não?
    foi tudo forjadamente espontâneo? ou não?
    gostei muito do conto!

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  3. rs duvido que ele tenha conseguido o que buscava...

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  4. Acho que não, Neith. Mas só o tempo (rsrsr) dirá.

    Evah, as misérias que Kronos faz não se limitam a essa explosão forjadamente espontânea:

    http://insanemission.blogspot.com/2010/11/cuco-333.html

    Veja aí o que é que estava acontecendo com uma certa moça, enquanto ele dava seu surto de fim de semana.

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  5. http://insanemission2.blogspot.com/2011/10/busca-pela-mortalidade.html

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