sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O DESAFIO DO ALÉM - Postagem Final - ROBERT E. HOWARD e FRANK BELKNAP LONG

História Colaborativa escrita por C. L. MooreA. MerrittH. P. LovecraftRobert E. Howard e Frank Belknap Long
Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.




Quarta e Quinta Partes:


[Robert E. Howard]


Deste último intervalo sem sentidos, emergiu com total entendimento da situação. Sua mente estava aprisionada no corpo de um aterrador nativo de um planeta alienígena, enquanto, em algum lugar no outro lado do universo, seu próprio corpo hospedava a personalidade do monstro.


Lutou contra um horror irracional. Julgando a partir de uma perspectiva cósmica, por quê sua metamorfose deveria horrificá-lo? A vida e a consciência eram as únicas realidades no universo. A forma não era importante. Seu corpo atual era horrendo apenas de acordo com os padrões terrestres. O medo e a repulsa se afogaram na empolgação da titânica aventura.


O que era seu corpo anterior senão um manto, que de todo modo seria descartado após a morte? Ele não tinha ilusões sentimentais quanto à vida da qual havia sido exilado. E o que esta o dera, senão esforços, pobreza, frustrações e repressões contínuas? Se aquela nova vida diante dele não oferecia mais, pelo menos não oferecia menos. E a intuição o dizia que ofereceria mais – muito mais.


Com a honestidade possível apenas quando a vida é despida até seu fundamento mais cru, percebeu que só lembrava com prazer das delícias físicas de sua vida anterior. Porém, há muito havia exaurido as possibilidades físicas contidas naquele corpo terráqueo. A Terra não mais oferecia emoções novas. Mas, na posse daquele novo corpo alienígena, sentia a promessa de alegrias estranhas e exóticas.


Uma exultação bastarda crescia nele. Era um homem sem mundo, livre de todas as convenções e inibições da Terra, ou deste estranho planeta, livre de todas as restrições artificiais do universo. Ele era uma divindade! Divertia-se macabramente, quando pensava em seu próprio corpo, movendo-se pela sociedade e transações da Terra, enquanto isso um monstro alienígena observava das janelas que eram os olhos de George Campbell, fixos nas pessoas que dele fugiriam, se soubessem a verdade.


Que ele andasse pela terra matando e destruindo como pudesse, a Terra e suas espécies não mais significavam coisa alguma para George Campbell. Ali, ele seria mais uma de bilhões de não-entidades, congeladas por um amontoado acúmulo de convenções, leis e costumes, fadadas a viver e morrer em seus sórdidos nichos. Porém, num único movimento às cegas, ele havia colocado-se além do lugar-comum. Aquilo não era morte, era renascimento – o nascimento de uma mentalidade madura, com uma nova liberdade que fazia pouco da catividade física em Yekub.


Ele começou. Yekub! Era o nome daquele planeta, mas como ele sabia? Então soube, já que sabia o nome daquele corpo que ocupava – Tothe. A memória, **grooved nas profundezas do cérebro de Tothe, estava remexendo-se dentro dele – sombras do conhecimento que tinha Tothe. Gravado lá no fundo dos tecidos físicos do cérebro, falavam tênues, como instintos implantados, na mente de George Campbell; e sua consciência humana os arrebatou e traduziu, para mostrar-lhe não só a segurança e a liberdade, mas o poder que sua alma, reduzida aos mais primitivos impulsos, ansiava. Não como um escravo ele habitaria em Yekub, mas como um rei! Da mesma forma que os antigos bárbaros haviam se sentado nos tronos de impérios arrogantes.


Pela primeira vez, voltou sua atenção ao que o cercava. Ele ainda continuava sobre a coisa parecida com um sofá, no meio daquele aposento fantástico, e o homem centípede diante dele, segurando o objeto de metal polido, e batendo seus espículos do pescoço. Era dessa forma que falava com ele, sabia Campbell, e o que ele dizia podia ser suavemente compreendido, através dos processos mentais implantados de Tothe, da mesma forma que ele sabia que a criatura era Yukth, senhor supremo da ciência.


Mas Campbell não deu atenção a isso, pois havia decidido seu plano desesperado, um plano tão alienígena aos costumes de Yekub, que estava além da compreensão de Yukth, e o pegou totalmente de surpresa. Yukth, como Campbell, viu a lasca de mental de ponta afiada numa mesa próxima, mas para Yukth, era apenas um implemento científico. Nem mesmo sabia que poderia ser usada como uma arma. A mente terrena de Campbell suplementava o conhecimento e a ação que se seguiram, impelindo o corpo de Tothe a fazer movimentos que nenhum homem de Yekub jamais havia feito antes.


Campbell agarrou a lasca afiada e golpeou, rasgando para cima, com selvageria. Yukth ergueu-se e cambaleou, suas entranhas espalhando-se pelo chão. Num só instante, Campbell atingia a porta. Sua velocidade era impressionante, exultante, a primeira realização da promessa de novas sensações físicas.


Conforme corria, totalmente guiado pelo conhecimento instintivo implantado nos reflexos físicos de Tothe, como se estivesse alojando uma consciência separada em suas pernas, o corpo físico de Tothe o estava levando por uma rota que havia sido passada dez mil vezes, quando animado pela mente do alienígena.


Descendo por um corredor espiralado ele correu, subiu uma escada distorcida, passou por uma porta entalhada, e os mesmos instintos que o haviam trazido aqui disseram-no que ele havia encontrado o que procurava. Estava num aposento circular, de teto de domo, que luzia azulado e lívido. Uma bizarra estrutura se erguia no meio do chão da cor do arco-íris, pavimento por pavimento, cada um de uma cor vívida e separada. O último pavimento era um cone púrpura, de cujo ápice uma névoa azul e enfumaçada subia para uma esfera que se erguia em pleno ar – uma esfera que luzia como marfim translúcido.


Aquilo, diziam a Campbell as memórias mais profundamente inculcadas de Tothe, era o deus de Yekub, embora a razão pela qual o povo de Yekub o temia e venerava havia sido esquecida há um milhão de anos. Um verme-sacerdote se impunha entre ele e o altar que nenhuma mão de carne jamais havia tocado. O fato de que ele podia ser tocado era uma blasfêmia que jamais ocorrera a um homem de Yekub. O verme-sacerdote ficou paralisado de horror, até que a lasca de Campbell arrancasse sua vida.


Com suas patas de centípede, Campbell escalou o altar pavimentado, ignorando suas súbitas vibrações, ignorando a mudança que ocorria na esfera flutuante, ignorando a fumaça que agora ondulava em nuvens azuis. Ele estava embriagado com a sensação de poder. Ele não temia as superstições de Yekub não mais do que temia as da Terra. Com aquele globo nas mãos, ele seria o rei de Yekub. Os homens-verme não ousariam negar nada a ele, enquanto ele mantinha seu deus como refém. Ele estendeu a mão para a bola – que agora não mais tinha tons de marfim, e sim era vermelha como sangue …



[Frank Belknap Long]


Saindo da barraca para a pálida noite de agosto, andava o corpo de George Campbell. Movia-se de um jeito lento e vacilante entre os corpos das árvores enormes, caminhando por uma trilha da floresta polvilhada de folhas de pinheiros, de doce odor. O ar estava picante e frio. O céu era uma taça invertida de prata congelada, manchada de poeira estelar, e ao norte longínquo, a aurora boreal derramava fluxos de fogo.


A cabeça do homem que caminhava estava derrubada de modo horrendo, virada para o lado. Dos cantos de sua boca frouxa, escorriam fios espessos de espuma cor de âmbar, que se agitava na brisa noturna. Ele andou ereto antes, como um homem deveria andar, mas gradualmente, conforme se distanciava da barraca, sua postura se alterava. Seu torso começava, quase imperceptivelmente, a inclinar-se, e seus membros, a encolher.


Num mundo muito distante, no espaço exterior, a criatura centípede que era George Campbell segurou em seu seio um deus cujos adornos eram vermelhos como sangue, e correu, tremendo como um inseto, por um salão de cores do arco-íris, passando depois por portais massivos, direto pra a brilho forte dos sóis alienígenas.


Rondando entre as árvores da Terra, numa atitude que sugeria o tropegar bisonho de um licantropo, o corpo de George Campbell cumpria um destino sem mente. Dedos longos, de garras nas pontas, puxavam folhas odoríferas do tapete que cobria a floresta, conforme movia-se em direção a uma ampla expansão de água cintilante.


No mundo distante e extragalático do povo verme, George Campbell movia-se entre blocos ciclópicos de cantaria negra, descendo por longas avenidas, florida de samambaias, erguendo nas patas o deus vermelho e globular.


Foi ouvido um grosseiro berro de animal num arbusto próximo ao lago cintilante da Terra, onde a mente de uma criatura verme habitava um corpo onde o instinto imperava. Os dentes humanos se enfiaram pela suave pelagem animal, rasgaram a negra carne animal. Uma pequena raposa prateada enfiou suas presas num pulso humano e peludo, buscando uma frenética retaliação, e agitava-se aterrorizada com o derramar do sangue. Lentamente, o corpo de George Campbell levantou-se, sua boca suja de sangue fresco. Com os membros superiores gingando de modo esquisito, moveu-se na direção das águas do lago.


Conforme a criatura mutável que era George Campbell rastejava entre os blocos negros de pedra, milhares de formas de vermes prostravam-se na poeira cintilante diante dele. Um poder divino parecia emanar de seu corpo trêmulo, enquanto ele movia-se num ritmo lento e ondulante, em direção ao trono de um império espiritual que transcendia as soberanias da Terra.


Um caçador, rondando esgotado pela densa floresta na Terra, próximo à barraca onde a criatura verme havia habitado o corpo de George Campbell, veio às águas cintilantes do lago, e discerniu algo escuro, flutuando ali. Havia estado perdido na floresta a noite toda, e a fadiga o envolvia como um manto de chumbo sob a luz pálida da manhã.


Porém, aquela forma era um desafio que ele não podia ignorar. Movendo-se até a borda da água, ajoelhou-se no barro mole, e esticou-se até a coisa que flutuava. Lentamente, a puxou até a praia.


Muito distante no espaço experior, a criatura verme empunhando o deus vermelho e brilhante ascendeu a um trono que brlhava como a constelação Cassiopeia, sob uma abóboda alienígena de hipersóis. A poderosa divindade que ele erguia energizava seu corpo de verme, consumindo no fogo branco de uma espiritualidade supramundana, tudo que lhe restava de animal.


Na Terra, o caçador contemplou, num horror impronunciável, a face escurecida e peluda do homem afogado. Era uma face bestial, de feições repulsivamente antropoides, e de sua boca deformada e contorcida, escorria um icor negro.


“Aquele que buscou seu corpo pelos abismos do Tempo ocupará um corpo que não lhe obedecerá,” disse o deus vermelho. “Nenhuma cria de Yekub pode controlar o corpo de um humano.”


“Por toda a Terra, as criaturas vivas rasgam umas às outras, e banqueteiam-se, numa indizível crueldade, de seus próximos e parentes. Nenhuma mente de verme pode controlar um corpo humano bestial, quando este anseia a selvageria. Apenas mentes humanas, instintivamente condicionadas, no decorrer de dezenas de milhares de gerações, podem governar os instintos humanos. Seu corpo irá destruir a si mesmo, na Terra, buscando o sangue de seus parentes animais, buscando a água fria onde podia rolar com prazer. Buscará a inevitável destruição, pois o instinto da morte é mais poderoso nele que os instintos da vida, e destruir-se-á, buscando retornar ao barro de onde proveio.”


Assim falou o globuloso e vermelho deus de Yekub, vindo de um segmento distante do continuum do espaço-tempo, dirigindo-se a George Campbell, enquanto este último, com todos os desejos humanos purgados, sentava-se no trono e governou então um império de vermes, mais sábia, gentil e benevolamente que os homens da Terra podem algum dia governar um império de homens.







O original em inglês pode ser visto aqui:
http://en.wikisource.org/wiki/The_Challenge_from_Beyond


A primeira e segunda partes do conto, em português, podem ser encontradas nesta postagem:
http://insanemission.blogspot.com/2011/02/o-desafio-do-alem.html
A terceira parte, em português, escrita por HP Lovecraft, encontra-se aqui:

2 comentários:

  1. ROBERT E. HOWARD é o criador de CONAN
    FRANK BELKNAP LONG é o criador dos CÃES DE TÍNDALOS


    IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, AUTORES E FONTES

    1
    Fotografia clássica, tirada em estúdio, de Robert E. Howard.
    Curiosidade: ele nunca se vestia assim, mas esta é a sua mais famosa foto, que o mostra como se vestiu no dia por insistência da namorada.

    2
    Ilustração de Alex Ruiz
    www.zupi.com.br

    3 e 5
    Deep Soul Journey e The Guaridans, Mimulux
    http://mimulux.artistwebsites.com/

    4
    Fotografia de Frank Belknap Long.

    6
    Ilustração de Thomas S. Brown para o livro The Tindalos Cycle
    http://www.thecimmerian.com/frank-belknap-long-and-others-collected-in-the-tindalos-cycle/

    7
    The Hounds of Tindalos, James Wolf
    http://jameswolfart.blogspot.com/

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  2. http://dominiopublicano.blogspot.com/2011/10/o-desafio-do-alem-final.html

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