História Colaborativa escrita por C. L. Moore, A. Merritt, H. P. Lovecraft, Robert E. Howard e Frank Belknap Long
Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.
Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.
Terceira Parte:
[H. P. Lovecraft]
Conforme a luz dos sóis safiras, borrada pela névoa, tornava-se cada vez mais intensa, os contornos do globo à frente desfaziam-se e dissolviam-se num caos efervescente. Sua palidez, movimentos e música mesclavam-se com a névoa que engolfava – alvejando-a de uma cor de aço esbranquiçado, pondo-a em movimento ondulante. E também os sóis safiras, derretiam imperceptivelmente, espalhando-se pelo infinito acinzentado daquela pulsação amorfa.
Enquanto isso, a sensação de movimento para frente e para fora tornou-se intolerável, incrível e cosmicamente rápido. Todos os padrões de velocidade conhecidos na Terra pareciam lentos diante daquilo, e Campbell soube que um voo daqueles, na realidade física, significaria morte instantânea para um ser humano. Mesmo naquele estado – naquela estranha e infernal hipnose ou pesadelo – a impressão quase-visual de ricochete quase paralisava sua mente. Embora não houvessem pontos verdadeiros de referência no vácuo cinzento e pulsante, ele sabia que começava a aproximar-se, e a superar, a própria velocidade da luz. Finalmente, sua consciência se apagou – e uma misericordiosa escuridão engoliu a tudo.
Tudo muito súbito, e em meio à mais impenetrável escuridão, pensamentos e ideias mais uma vez vieram a George Campbell. Quantos momentos – ou anos – ou eternidades haviam se passado desde seu voo pelo grande vácuo, não conseguiria estimar. Ele só sabia que parecia estar descansado e sem dor alguma. De fato, a ausência de toda sensação física era a qualidade definidora de sua condição. Fazia com que mesmo a negritude parece menos solidamente negra – sugerindo que ele era agora uma inteligência incorpórea, num estado além dos sentidos físicos, e não um ser corpóreo com sentidos privados de seus objetos de percepção costumeiros. Ele conseguia pensar com agudeza e rapidez – quase sobrenaturais – embora ainda não pudesse apreender de fato a sua situação.
Meio por instinto, percebeu que não estava em sua própria barraca. De fato, poderia ter acordado lá, de um pesadelo, para um mundo igualmente negro, no escuro; mas ele sabia que não se tratava disso. Não havia nenhum colchonete debaixo de si – ele não tinha mãos para sentir os cobertores e lona e lanterna que deveriam estar ao seu redor – não havia sensação alguma de frio no ar – nenhuma porta através da qual pudesse vislumbrar a pálida noite lá fora … algo estava errado, assustadoramente errado.
Ele tentou relembrar o passado, e pensou no cubo fluorescente que o havia hipnotizado – naquele momento, e no que havia se seguido. Ele sabia que sua mente havia se movido para além, e não conseguia retroceder. Naquele último momento, houve um medo, um pânico chocante – um medo subconsciente, além até mesmo daquele causado pela sensação do voo demoníaco. Vinha de algum vago vislumbre, ou lembrança remota – do quê exatamente, não podia dizer de imediato. Em algum lugar, lá no fundo de suas mente, ele pareceu encontrar uma qualidade nebulosamente familiar no cubo – e essa familiaridade vinha repleta de terror. Agora, ele tentava lembrar-se que familiaridade e terror eram esses.
Pouco a pouco, a coisa ficou óbvia. Um dia – há muito tempo, em seu trabalho geológico – havia lido sobre algo como aquele cubo. Tinha a ver com aqueles discutíveis e perturbadores fragmentos de argila chamados de Tabuletas de Eltdown, escavados de uma camada pré-carbonífera, no sul da Inglaterra, trinta anos antes. Seu formato e marcas eram tão estranhos, que uns poucos eruditos clamaram ser artificiais, e fizeram conjeturas loucas sobre elas e suas origens. Vinham claramente de uma era em que nenhum ser humano poderia ter existido no globo – porém seus contornos e figuras eram terrivelmente enigmáticos. Foi assim que conseguiram sua fama.
Não foi, porém, nos escritos de algum cientista sóbrio, que Campbell vira referência a um cristal que envolvia um disco. A fonte era de reputação bem mais fraca, e infinitamente mais vívida. Por volta de 1912, um clérigo de Sussex, profundamente erudito e de inclinações ocultistas – o Reverendo Arthur Brooke Winters-Hall – havia professado identificar nas marcas nas Tabuletas de Eltdown alguns dos assim-chamados “hieróglifos pré-humanos” persistentemente adorados e esotericamente legados por certos círculos místicos, e publicou, às suas próprias custas, o que ele dizia ser uma “tradução” das primais e estarrecedoras “inscrições” – uma “tradução” ainda citada com muita frequência e seriedade por escritores ocultistas. Nesta “tradução” – uma brochura surpreendentemente longa, em vista do limitado número de “tabuletas” existentes – ocorria uma narrativa, supostamente de autoria pré-humana, contendo a dita referência, agora assustadora.
Dizia a história que habitou num mundo – e eventualmente, em incontáveis outros mundos – do espaço exterior, uma poderosa ordem de seres vermiformes, cujas realizações, e cujo controle da natureza superavam qualquer coisa dentro dos limites da imaginação terrestre. Eles haviam dominado a arte da viagem interestelar logo no começo de sua carreira, e haviam populado todos os planetas habitáveis em sua própria galáxia – matando as raças que neles encontravam.
Além dos limites de sua própria galáxia – que não era a nossa – não podiam navegar em pessoa; porém, em sua busca pelo conhecimento de todo o espaço e todo o tempo, descobriram um meio de ultrapassar certos golfos transgaláticos, usando suas mentes. Inventaram certos objetos peculiares – cubos estranhamente energizados, feitos de um cristal curioso, contendo talismãs hipnóticos, e encerrados em envelopes esféricos resistentes ao espaço, consistindo de uma substância desconhecida – objetos que podiam ser forçosamente expelidos além dos limites de seu universo, e que reagiriam somente à atração da matéria sólida e fria.
Esses cubos, dos quais uns poucos necessariamente aterrissariam em vários mundos habitados, nos universos exteriores, formavam as pontes etéricas necessárias para a comunicação mental. A fricção atmosférica incinerava o envelope protetor, deixando o cubo exposto e sujeito à descoberta por mentes inteligentes do mundo onde havia caído. Por sua própria natureza, o cubo atrairia e chamaria a atenção. Isto, em conjunto com a ação da luz, seria suficiente para pôr suas propriedades especiais em funcionamento.
A mente que notasse o cubo seria atraída pelo poder do disco, e seria enviado num rastro de energia obscura para o lugar de onde o disco havia vindo – o remoto mundo dos exploradores espaciais vermiformes, além de estupendos abismos galáticos. Recebida em uma das máquinas a qual o cubo estava sintonizado, a mente capturada permaneceria nela suspensa, sem corpo ou sentidos, até que fosse examinada pela raça dominante. Então, através de um processo obscuro de intercâmbio, seria esvaziada de todo conteúdo. A mente do investigador agora ocuparia a estranha máquina, enquanto a mente cativa ocuparia o corpo vermiforme do interrogador. E então, em outro intercâmbio, a mente do interrogador saltaria pelo espaço sem fim, chegando ao corpo vazio e inconsciente da mente cativa, no mundo transgalático – animando o receptáculo alienígena como melhor conseguisse, e explorando o mundo alienígena, disfarçado de um de seus habitantes.
Quando isto era feito com o propósito exploratório, o aventureiro usaria o cubo e seu disco para realizar o retorno – e às vezes, a mente cativa seria restaurada com segurança a seu próprio mundo remoto. Nem sempre, porém, a raça dominante era tão gentil. Às vezes, quando uma raça potencialmente importante, capaz de viagem espacial, era encontrada, o povo vermiforme empregaria o cubo para capturar e aniquilar mentes aos milhares, e extirparia a raça, por razões diplomáticas – usando as mentes exploradas como agentes da destruição.
Em outros casos, seções do povo vermiforme ocupavam permanentemente um planeta transgalático – destruindo as mentes cativas e executando os habitantes remanescentes, preparando-se para invadir corpos desconhecidos. Porém, nunca a civilização progenitora podia ser totalmente duplicada; já que a novo planeta poderia não conter todos os materiais necessários para as artes da raça vermiforme. Por exemplo, os cubos só podiam ser feitos no planeta natal.
Apenas uns poucos dos inumeráveis cubos enviados chegavam a aterrissar e funcionar num mundo habitado – já que não existia mira naquele processo além da visão e do conhecimento. Apenas três, dizia a história, haviam aterrissado em mundos populados de nosso próprio universo. Um desses havia atingido um planeta próximo aos limites da galáxia, há dois trilhões de anos, enquanto outro havia se alojado, três bilhões de anos atrás, num mundo próximo do centro da galáxia. O terceiro – e o único conhecido por ter invadido o sistema solar – havia alcançado nossa própria terra, há 150 milhões de anos.
Era com esse tipo de coisa que a “tradução” do dr. Winters-Hall lidava, em sua maior parte. Quando o cubo atingiu a Terra, escreveu ele, a espécie terráquea governante era uma enorme raça de formato cônico, que superava todas as outras que vieram antes, em mentalidade e realizações. Esta raça era tão avançada, que na verdade enviava mentes adiante, tanto no espaço quanto no tempo, para explorar o cosmos, reconhecendo portanto algo do que havia acontecido, quando o cubo caíra do céu e certos indivíduos sofreram mudanças mentais, após contemplar o interior do objeto.
Percebendo que os indivíduos modificados representavam mentes invasoras, os líderes da raça ordenaram sua destruição – mesmo ao custo das mentes deslocadas, exiladas no espaço alienígena. Eles já tinham experiências com transições ainda mais bizarras. Quando, através da exploração mental do espaço e do tempo, formaram ideia vaga do que era o cubo, ocultaram cuidadosamente a coisa da luz e da visão dos seres, guardando-o como uma ameaça. Não quiseram destruir uma coisa tão rica de possibilidades experimentais posteriores. Aqui e ali, algum aventureiro audaz e inescrupuloso ganharia acesso furtivo ao cubo e provaria de seus perigosos poderes, apesar das consequências – porém todos os casos eram descobertos e resolvidos de maneira drástica e segura.
Desta interação maligna, o único resultado ruim foi que a raça vermiforme no espaço exterior aprendeu, de seus novos exilados, o que havia acontecido com seus exploradores na terra, e concebeu um violento ódio do planeta e todas as suas formas de vida. Teriam eliminado toda a sua população se fosse possível, e de fato, enviaram cubos adicionais pelo espaço, na insana esperança de que, por acidente, atingisse lugares desguardados – mas esse acidente nunca chegou a acontecer.
Os seres terrestres de formato cônico mantiveram o único cubo existente num santuário especial, como relíquia e base de exploração, até que, depois de eras, o cubo se perdeu em meio ao caos da guerra e da destruição da grande cidade polar onde era guardado. Quando, cinquenta milhões de anos mais tarde, os seres enviaram suas mentes para mais adiante no tempo, para o futuro infinito, para evitar um perigo inominado vindo do subterrâneo, o destino do sinistro cubo vindo do espaço ficou sendo desconhecido.
De acordo com o devotado ocultista, era o que diziam as Tabuletas de Eltdown. O que agora tornava seu relato ainda mais obscuramente aterrorizante a Campbell, era a precisão e as minudências com que o cubo alienígena era descrito. Cada detalhe determinado – dimensões, consistência, disco central hieroglifado, efeitos hipnóticos. Como estava pensando no caso, repetidamente, nas trevas de sua estranha situação, começou a imaginar se, toda a sua experiência com o cubo de cristal – de fato, a própria existência desse cubo – não era um pesadelo, trazido por alguma aberrante memória subconsciente daquela leitura extravagante e charlatã. Mesmo assim, se era o caso, o pesadelo ainda estava em andamento; já que sua presente situação, aparentemente incorpórea, não tinha nada de normal.
Campbell não conseguia estimar o tempo consumido nesse relembrar e refletir. Tudo em seu estado era tão irreal, que as dimensões e medidas normais tornavam-se sem sentido. Parecia que passara uma eternidade, mas talvez não muito houvesse passado, antes que a súbita interrupção ocorresse. O que aconteceu foi tão estranho e inexplicável quanto o negrume em que estava mergulhado até então. Era uma sensação – da mente, e não do corpo – e num ímpeto, Campbell sentiu seus pensamentos atraídos ou sugados, além de seu controle, de modo tumultuoso e caótico.
As memórias surgiam, irresponsáveis e irrelevantes. Tudo que ele sabia – todo o seu histórico pessoal, tradições, experiências, erudição, sonhos, ideias e inspirações – fluíram abruta e simultaneamente, numa velocidade e abundância entontecedoras, que logo o deixou inapto a registrar qualquer conceito separado. A totalidade de seus conteúdos mentais tornou-se uma avalanche, uma cascata, um vórtex. Era tão horrível e vertiginoso quanto seu voo hipnótico pelo espaço, quando o cubo de cristal o puxara. Por fim, aquilo drenou-lhe a consciência, e trouxe o alívio do esquecimento.
Outro branco imensurável – e então um lento gotejar de sensações. Naquele momento, eram sensações físicas, e não mentais. Uma luz safira, e um trovejar baixo de um som distante. Impressões táteis – podia perceber que estava deitado, ao comprido, sobre algo, embora houvesse uma estranheza perturbadora no que sentia quanto à sua postura. Não conseguia reconciliar a pressão da superfície que o apoiava, com seu próprio contorno – ou mesmo com os contornos da forma humana. Tentou mover seus braços, mas não achou reação definida a essa tentativa. Ao invés disso, houveram contorções nervosas mínimas e inefetivas, por toda a área que parecia marcar seu corpo.
Tentou abrir seus olhos direito, mas achou-se incapaz de controlar o mecanismo destes. A luz safira vinha de modo difuso, nebuloso, e não podia ser voluntariamente focada sob definição. Porém, gradualmente, imagens visuais começaram a escorrer, de maneira curiosa e indecisiva. Os limites e qualidades da visão não eram aqueles com que estava acostumado, mas podia correlacionar de jeito vago com as sensações que havia conhecido como visão. Conforme esta sensação adquiria algum grau de estabilidade, Campbell percebeu que ainda devia estar preso ao tal pesadelo.
Parecia estar num aposento de considerável extensão – de altura média, mas com uma área bem maior, proporcionalmente falando. Em cada lado – e ele, ao que parece, podia enxergar todos os quatro lados ao mesmo tempo – viam-se fendas elevadas e estreitas, que pareciam servir como portas e janelas ao mesmo tempo. Haviam mesas ou pedestais individuais, mas nenhuma mobília de natureza e proporções normais. Pelas fendas, fluíam jorros de luz safira, e além destas, podiam ser enxergados, de modo nebuloso, os lados e telhados de prédios fantásticos, similares a cubos aglomerados. Nas paredes – nos painéis verticais entre as fendas – estavam estranhas marcas de caráter estranhamente inquietante. Passou-se algum tempo antes que Campbell compreendesse o porquê dessa inquietação tamanha – ele as havia visto antes, em exemplares repetidos, eram exatamente como os hieróglifos do disco dentro do cubo de cristal.
O verdadeiro elemento digno do pesadelo em que se encontrava, porém, era algo maior que isto. Começou com a coisa viva que começava a entrar através de uma das fendas, avançando deliberadamente na direção dele, trazendo uma caixa de metal, de proporções bizarras e superfícies vítreas, espelhadas. Pois esta coisa não era nada humano – nada terráqueo – não era nada próximo dos mitos e sonhos da humanidade. Era um gigantesco verme ou centípede de cor cinza clara, tão grande como um homem, e de comprimento duas vezes maior, exibindo uma cabeça discoide, aparentemente sem olhos, orlada de cílios cercando um orifício central púrpura. Ela deslizava com auxílio de seus pares traseiros de patas, com a parte anterior levantada na vertical – as patas, ou pelo menos dois pares delas, servindo como braços. Ao longo de sua coluna espinhal, havia uma curiosa crista púrpura, e uma cauda abrindo como um leque, composta de uma membrana cinzenta, terminava aquele corpanzil grotesco. Havia um anel de cravos vermelhos e flexíveis ao redor de seu pescoço, e das contorções destes, vinham sons de cliques fanhosos, formando ritmos métricos e deliberados.
Aqui, de fato, o pesadelo alienígena chegava a seu auge – era uma fantasia caprichosa em seu ápice. Porém mesmo esta visão de delírio não fora o que fez com que George Campbell caísse uma terceira vez na inconsciência. Foi preciso mais uma coisa – aquele toque final e insuportável. Conforme o verme inominado avançava com sua caixa cintilante, o homem reclinado vislumbrou naquela superfície espelhada, aquilo que deveria ser seu próprio corpo. Ainda assim – mesmo verificando suas sensações desordenadas e incomuns – não era seu próprio corpo que via refletido no metal polido. Ao invés disso, via o corpanzil repugnante, pálido e cinzento de um dos grandes centípedes.
CONTINUA ...
E na próxima postagem, Robert E. Howard (Conan) e Frank Belknap Long (Os Cães de Tíndalos) finalizam O Desafio do Além!
O original em inglês pode ser visto aqui:
http://en.wikisource.org/wiki/The_Challenge_from_Beyond
A primeira e segunda partes do conto, em português, podem ser encontradas nesta postagem:
http://insanemission.blogspot.com/2011/02/o-desafio-do-alem.html
A primeira e segunda partes do conto, em português, podem ser encontradas nesta postagem:
http://insanemission.blogspot.com/2011/02/o-desafio-do-alem.html
IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, IMAGENS E AUTORES
ResponderExcluirTodas as imagens de Paul Carrick:
HPL, Yithiano, Pólipo Voador, Yithiano vs. Pólipo, Comunal Yithiano
http://www.nightserpent.com/
A Grande Raça de Yith é a espécie pré-humana que habitou a Terra, como descrito no conto; e os pólipos são os inimigos vindos do subterrâneo, que acabaram eliminando a civilização yithiana naquela era.
Exceto a única imagem decente de um verme de Yekub:
http://www.geocities.co.jp/Playtown-Darts/9144/Creature/g/g_yekub.jpg
http://dominiopublicano.blogspot.com/2011/10/o-desafio-do-alem-parte-iii.html
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