Um grande estrondo cortou o ar, e os policiais na base do morro viram uma das maiores casas da comunidade se despedaçar e vários dos destroços rolarem abaixo.
Ao contrário da maioria dos casebres e muquifos com laje batida, aquela casa era o símbolo de poder de um dos traficantes do morro, e o Tenente Miguel Dantas sabia muito bem disso. Só que nenhum dos seus era responsável por aquilo, ninguém sequer havia subido, fora o fato de que ninguém seria louco de estourar uma granada (como parecia ter sido o caso) no covil de um dos maiores traficantes da região. Era mais jogo saquear a casa, conseguir algumas provas, acobertar outras, readquirir algumas das armas do tráfico e ficar com algumas delas para revenda.
O tenente ficou cerca de um minuto olhando a fumaça que se dissipava lá em cima, até que num movimento brusco, comandou seus homens ao ataque. Os policiais invadiram a favela, e ruela após ruela, pensaram que iam trocar tiros com os traficantes, mas a entrada foi surpreendentemente fácil, sem maiores obstáculos. Algumas pessoas, dentro das casas, berravam desesperadas, e era até compreensível, mas alguns dos gritos tinham um tom de desespero ao qual nenhum dos homens da polícia estava realmente acostumado.
Aquela noite estava especialmente quente, em vários sentidos. Três gotas de suor desceram rápidas pela fronte do Tenente Miguel, e reagindo a seus sinais ágeis, os policiais entraram no que restava do casarão. A casa contrastava com a miséria de suas vizinhas, e era como se a destruição em seu interior e nas paredes externas viesse para exercer uma justiça cruel e poética: uma ruína entre vidas arruinadas. Nos arredores, só a Igreja da Libertação de Deus destoava tanto do ambiente.
Dentro, uma carnificina. A coisa era pior do que Dantas pensava. Não só a casa estava semidestruída por explosivos plásticos colocados em dois pontos nas paredes, o que evidenciava um trabalho interno, como todos os capangas do dono do morro estavam mortos. Alguns podiam ter sido atingidos pelos estilhaços e pelo impacto da explosão, mas uns três haviam sido estripados de modo selvagem. E numa sala deixada intacta, estava o corpo seminu do dono, exibindo a garganta dilacerada, o sangue manchando os lençóis caros. Mais tarde, a perícia achou vários traços de esperma e fluidos vaginais por esses lençóis ... mas nenhuma mulher estava entre os mortos. Nem um cabelo de mulher pelo quarto, também; mas haviam pelos de algum animal que a perícia ainda está tentando identificar, alguns deles, estranhamente longos, do comprimento do cabelo longo de uma mulher.
Outra circunstância esquisita era a das drogas e armas espalhadas pela casa. Embora não pudesse dizer exatamente isso quanto às armas, mas a grande quantidade de drogas estocada significava que algum carregamento fora deslocado para a casa do dono, no mínimo um dia antes. Ninguém havia levado nada. Talvez fosse obra de algum justiceiro, mas o Tenente Miguel achava improvável, mesmo um sujeito assim levaria as drogas e armas, ou pelo menos as armas. Miguel falou no celular, pedindo que a inteligência checasse, nos relatos dos informantes, se o dono tinha uma namorada e os detalhes sobre ela.
Enquanto esperava a resposta, uma coisa chamou a atenção do tenente. Havia crack, cocaína, maconha, ecstasy e até LSD estocados naquela casa, mas, perto da janela, havia uma pequena pílula. Largada pelo chão, avermelhada. O policial se abaixou, e com uma luva ergueu a pílula daquela preciosidade. Era de se esperar que houvesse pelo menos algumas daquelas pílulas ali, junto a tanta variedade de outras drogas, mas aquela era a única deixada para trás. Belknap-14.
Os viciados e a gente das ruas a chama de GARRA. O Tenente Miguel a balançou entre os dedos, o vermelho da pílula brilhou à luz das lanternas, e um uivo se fez ouvir lá fora ...
IMAGENS E ILUSTRAÇÕES, FONTES E AUTORES
ResponderExcluir1
Invasão ao Complexo do Alemão, no Rio, em 11/2010
http://www.naosalvo.com.br/vc/as-64-top-fotos-da-crise-do-rio-complexo-do-alemao/
2
Se alguém souber o autor da imagem, me comunique
http://deusasolar.blogspot.com/2010/08/arte-de-mestruara-mestrucao-da-mae-gaia.html
Massa! Só uma sugestão: Não diga estilhaços, pois via de regra explosivos plásticos não fragmentam ou estilhaçam - são uma massa plástica. Homens-bomba misturam pregos, pedaços de vidro de outras coisas na massa explosiva para causarem grande estrago. Não sei se seria esse o caso, afinal foram explosivos plantados na parede. Seriam DETRITOS da explosão que teriam matado alguns capangas (detritos do próprio local produzidos e projetados pela explosão)?
ResponderExcluirSeria mais ou menos isso, é que detrito eu associo com lixo, entulho.
ResponderExcluirEstilhaço das coisas do local, vidros, móveis perto das paredes, etc., que atingiram as pessoas, além do impacto, etc.
De qualquer forma eu não deixo claro que se houveram pregos ou whataver na massa plástica. Quem sabe essa informação seja relevante num conto futuro, porque como você sabe, cada conto na tag adiciona informações menores que podem gerar novas histórias.
Como a Igreja da Libertação de Deus, por exemplo.
http://insanemission2.blogspot.com/2011/09/escombros-e-uivos.html
ResponderExcluir